quarta-feira, 22 de maio de 2013

"A MINERAÇÃO É UMA PRAGA"

 Entrevista com a irmã Elsie Monge 22/5/2013

Apesar de ainda não ter minas em processo de exploração no Equador, o interesse de transnacionais e o processo de estudo de área já estão afetando famílias, que começam a ser deslocadas. Em entrevista à Tatiana Félix da Adital, 21-05-2013, a irmã Elsie Monge, diretora executiva da Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (CEDHU) do Equador, fala da mineração em seu país, a luta do povo em defesa de seus territórios e da natureza, e dos efeitos destes projetos na América Latina.
 
Eis a entrevista.
 
Atualmente, quais são os projetos mineiros que estão afetando a população equatoriana?
Bom, 4% do total do território equatoriano foi concedido para megaempresas mineiras. São uns 980 mil hectares para metálicos e outros 121.600 hectares para não metálicos. Então, a maioria das concessões mineiras foi dada para empresas canadenses, e agora também estão entrando as empresas chinesas. A maioria das vezes para minas metálicas: ouro, prata, cobre, etc. Estão, ainda, em fase de estudo da área, umas mais avançadas que outras. Por exemplo, em Zamora, existe um projeto, "Mirador”, que também estava em mãos de canadenses e agora passou para os chineses. Houve gente deslocada porque quando entra uma empresa mineira o que fazem são despejos, ou seja, limpar onde vão fazer as instalações e a gente que está ali tem que sair, por bem ou por mal.
 
Então, neste projeto "Mirador”, ao sul da Amazônia, próximo à fronteira com o Peru, existem 45 famílias que foram deslocadas da Paróquia Tundayme, e um povoado, San Marcos, já não existe. As mais de 15 famílias que viviam ali já não estão. Isso preocupa porque têm que ir embora, mas o Estado não vigia se existe algum processo de compra, pois também existem muitas irregularidades e o Estado não supervisiona este processo, nem tampouco se existe relocalização. Mas isso acontece, não apenas em projetos mineiros, como também com projetos hidroelétricos é a mesma tática, por certo, que eles aplicam. Outro setor bastante afetado está na província Azuay, onde existem minas de ouro, onde vão ser afetadas as lagoas e as vertentes de água.
 
Dentro deste contexto, que efeitos existem em termos de desocupação, em cumprimento dos convênios dos povos ancestrais?
 
Bom, é o que eu estava dizendo: que existem deslocados. O fenômeno é o deslocamento, ou seja, que têm que sair de suas comunidades porque ali vai se localizar a mina. Então, às vezes, existem processos de compra e venda, mas com muitas irregularidades, e outras vezes também se usa a força. Estes seriam os fenômenos. Em cumprimento dos convênios, não existem convênios desde o Estado equatoriano com os povos indígenas ou campesinos. Não existem convênios com o Estado equatoriano. Mas, rege, por exemplo, o convênio da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre os direitos dos povos indígenas a suas terras e a seus recursos. Este seria esse Convênio. E a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas tampouco se aplica.
 
Também as concessões que se dão, como disse antes, não levam em conta os territórios indígenas. Mas a Constituição do Equador assinala que deve haver uma consulta nestes casos, consulta aos povos afetados. Isso tampouco está se cumprindo. Então, também se viola a Constituição.
 
Em um vídeo produzido pela Comissão Ecumênica de Direitos Humanos, vocês demonstram em contrário às afirmações do presidente de que não existem deslocados, muitas pessoas que dão seus testemunhos de que foram deslocadas. Neste sentido, não existe um diálogo com o governo?
 
Não existe diálogo. O problema é que não são apenas concessões isoladas, mas o temor é que a mineração seja o modelo de desenvolvimento. Então, ai se pode imaginar que existe um acordo entre as transnacionais e o governo.
 
Se não existe diálogo, como as comunidades e as organizações planejam realizar ações para defender seus territórios?
 
Sim, existem as lutas das organizações locais ou da região que se organizam. Por exemplo, neste caso de Azuay que te dizia, que se organizam e fizeram vários protestos. É necessário assinalar que a água vai ser contaminada, e que isso vai afetar não apenas as comunidades vizinhas, mas que como é o nascimento dos rios da montanha, isso vai chegar até Cuenca que é uma das capitais da província e mais além. Então, ali sim houve uma boa organização. Mas, quando os indígenas ou os campesinos reclamam seus direitos e dos direitos da natureza, então eles são reprimidos, são investigados, e alguns, acusados de terrorismo. A pressão é forte.
 
Esta situação é muito semelhante a outras situações e conflitos na América Latina, em outros países acontece o mesmo. Neste contexto, como vocês avaliam a situação na América Latina como um todo?
 
Eu acredito que isso da mineração é uma praga, porque, por exemplo, no caso do Equador, o que diz o governo é "não podemos estar sentados sobre uma montanha de ouro, necessitamos dos recursos, e por isso, tem que explorar a mineração”. Essa é uma visão "deturpada”. O certo é que isso produz ganâncias econômicas que a maioria não tem em território equatoriano, e menos as populações rurais, mas de todas as maneiras, o veem como um ingresso sem considerar os grandes efeitos que vemos em outros países.
 
Em outros países, faz muito tempo que estão na fase de exploração. Aqui, ainda não, mas já se preveem os estragos deste fenômeno e nós tememos que no Equador, igual que no PeruArgentina e Chile, onde houve exploração mineira, se destrua a natureza, a biodiversidade e tudo isso se converte em deserto, os territórios, e isso é o que não queremos. Em alguns outros países já estiveram sofrendo a exploração, mas ai tem mais força na organização e tiveram êxitos também. Por exemplo, em Pascua Lama, entre Argentina e Chile, isso está suspenso. Isso demonstra e anima, pois é possível que não explorem a mina, assim tão impiedosamente.
 
No Peru, existe uma organização muito boa também indígena e em alguns casos evitaram que se continuem explorando as minas. Costa Rica é outro parâmetro para nós. Em Costa Rica proibiram a exploração mineira a céu aberto, é uma decisão desde o Estado, quer dizer que não é impossível, e existem outras alternativas para a exploração mineira. Em Costa Rica, por exemplo, a indústria de turismo tem um ingresso muito alto, e com tantos recursos naturais também se poderia explorar muito mais, desenvolver muito mais o turismo.
 
Existe uma mobilização organizada que luta contra estes projetos. Que denúncias se podem fazer e para quem se podem fazer?
 
Nós, como Comissão Ecumênica e outras organizações também ambientalistas ou de direitos humanos, acompanhamos as pessoas. Primeiramente para fazer-lhes conhecer seus direitos porque isso ajuda para que se organizem e que lhes dá ânimo para lutar. Por outro lato, quando vem a criminalização, porque temos aqui uma forte criminalização do protesto social, então, aí também apoiamos com orientações legais.
 
Então, a Comissão Ecumênica trabalha prestando assessoria às comunidades. Que outras atividades realiza a Comissão Ecumênica?
 
Claro. Também a denúncia pública. Nós estamos todo o tempo divulgando o que está acontecendo e esta declaração do presidente em resposta a uma entrevista dada por mim, em que eu dizia que existem famílias deslocadas à força pelo efeito da presença das empresas transnacionais... Agora, o presidente não aceita que existam deslocados. Eu não sei se é que ele o liga com Colômbia, por exemplo, onde existe um alto percentual de populações deslocadas por causa da violência. Não é nessa porcentagem, mas pode ser que aumente.
 
Para nós, deslocados é uma família, uma comunidade que tem que deixar suas terras, tem que deixar sua casa, se veem forçados a sair, então têm que sair dali, e podem ir ao outro lado, então são deslocados para outro lado. Mas ele não aceita essa definição. Com a denúncia pública se divulga, e repito, à cidadania o que está acontecendo nas áreas de exploração mineira da Amazônia. Mas também fazemos denúncia internacional, isto é importante porque tem a ver com a imagem do país.
 
De uma forma geral, como vocês podem avaliar as conquistas da luta do povo contra estes projetos, não só a luta do povo e sim também da Comissão?
 
Existem vários casos onda a população se organizou para tratar de impedir a construção de grandes hidrelétricas. Temos o exemplo em mineração, no norte do país, em Río Grande Chone. Isso significa a inundação de 1.600 hectares. Em total, o projeto vai afetar aproximadamente 1.500 famílias. Mas, todavia, não começaram a desalojar o povo. Então, frente a isto, eu acredito que é uma luta muito dura, muito desigual. Não podem não tratar de proteger seus direitos e os direitos da natureza.
 
Tem algo mais a acrescentar?
 
Bom, me parece que a nível nacional e internacional é muito importante, muito decisiva, a cobertura ou o apoio dos meios, porque essa é a única maneira de que a nível nacional e também internacional se sabe o que está acontecendo, e de alguma maneira isso é apoio às organizações camponesas e indígenas afetadas. Creio que isto é um dos instrumentos que temos para difundir a situação e mostrar os efeitos que a exploração tem, e creio que é importante, e agradecemos muito o interesse da Adital neste sentido.
 
Fonte: IHU

DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO


"A presidente da República se orgulha e propaga conquistas pequenas, como anunciar ter elevado o nível de vida de milhões de brasileiros que saíram da extrema miséria para a miséria e desta a uma pseudoclasse média, por outro lado ignora e marginaliza milhões de brasileiros/as que vivem na Amazônia e ameaçados pelas hidroelétricas ditas geradoras de energia limpa. Limpa na ponta, mas suja e perversa na geração. O falso conceito de desenvolvimento assumido e defendido pelo governo brasileiro traz junto o desrespeito aos direitos humanos de seu povo, desrespeito a biodiversidade, a natureza", escreve Edilberto Francisco Moura Sena, padre, coordenador da Rádio Rural de Santarém, Pará.
 
Eis o artigo.
 
Ao pensar no conceito de desenvolvimento pode-se imaginar dois sentidos, um falso e um real. O falso é aquele usado e abusado pelo sistema capitalista, especialmente nos países periféricos em que os direitos fundamentais das pessoas têm pouca importância. Falam de desenvolvimento, quando querem dizer apenas crescimento econômico de uma região ou um país. Mais recente, durante a constatação da crise climática, acrescentaram um adjetivo ilusório, de desenvolvimento sustentável. Já o significado real é o que aponta para melhoria da qualidade de vida de uma população, que inclui melhoria na educação, na saúde, no bem-estar das famílias, no cuidado com o ambiente e a mãe natureza. Portanto, todo desenvolvimento verdadeiro inclui o ser humano e a natureza. O sociólogo brasileiro, perito nesse assunto, Dr. José de Sousa e Silva, em seu livro Despues del desarollo (Quito, Equador, 2012), faz uma análise séria sobre o desenvolvimento como concebido pelo sistema capitalista, e diz que nesta  visão tanto seres humanos como o planeta estão vulneráveis. Diz ele:
 
“As crises globais desde os anos 1960 não são independentes; elas têm a mesma origem e, em seu conjunto, indicam a crise da civilização ocidental e o fracasso da sociedade industrial... O modelo global de desenvolvimento da sociedade industrial promove uma forma de ver o mundo e de nele intervir para transformá-lo que inclui um modo de produção e consumo em desarmonia com as potencialidades e limites da Terra. Por isso estamos vulneráveis, do cidadão ao Planeta”.
 
Mais adiante em artigo complementar, o autor arremata a questão do desenvolvimento assim:
“Por isso, como o progresso no passado, o desenvolvimento no presente é imposto como meta universal, para que o crescimento econômico seja a única estratégia para atingi-la”. Um indicador desta visão é o conjunto das iniciativas oficiais da comunidade internacional: educação para o desenvolvimento, comunicação para o desenvolvimento, como se o desenvolvimento fosse o fim e não um processo. Por que, ao invés de serem dirigidas ao desenvolvimento, estas iniciativas não são dirigidas à construção de comunidades e sociedades mais felizes com modos de vida sustentáveis?"

É o que ocorre há muito tempo e mais acentuadamente hoje na Amazônia, e pode ilustrar esses contrastes de um conceito de duplo sentido de desenvolvimento. O mercado internacional carente cobiça as riquezas ainda abundantes nesta região, minérios, água, madeira, agronegócio. Tais riquezas, escassas nos países do chamado primeiro mundo, os leva a negociar com o governo brasileiro, por exemplo, estratégia de comercialização das riquezas amazônicas. Para tanto, induziram os presidentes da América do sul a criar  no ano de 2000, o Plano IIRSA (Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana) pretendendo integrar fisicamente todo o continente por meio de ações conjuntas nas áreas de transportes, energia e telecomunicações.
 
O plano é financiado pelos bancos, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) e Corporação Andina de Fomento (CAF). Prevê a realização de 524 projetos com objetivo de criar  corredores de ligação entre os oceanos atlântico e pacífico, para escoar a exportação das riquezas da região com maior facilidade e menor custo.
 
O Brasil é um dos membros do chamado grupo dos BRICs, país emergente com comportamento imperialista na América do sul, hoje se considerando a sexta economia mais forte do planeta. Mesmo deixando seu povo para segundo plano, criou uma estratégia de atender aos objetivos do plano IIRSA, com um programa de “desenvolvimento” econômico, chamado PAC - Programa de aceleração do crescimento . Durante o mandato do presidente Lula (2003 a 2010) surgiu o PAC I com aplicação de R$ 504 bilhões de reais nos projetos estruturais. Com o atual mandato da presidente Dilma Rousseff já está em vigor o PAC II com mais bilhões de reais em aplicações, justamente em rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, hidroelétricas e uma pequena parte em melhorias urbanas.
 
Em todos esses projetos, o que visa o governo é utilizar os lucros das exportações das riquezas da Amazônia, em vista do crescimento econômico do país. Os povos da Amazônia não entram nas preocupações do governo nacional. O então presidente Lula chegou a dizer publicamente que os obstáculos ao crescimento econômico do país eram: os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, as ONGs e o Ministério Público Federal.
 
Para iludir os desavisados nacionais e internacionais, o Governo Federal apresenta projetos assistencialistas, como o Bolsa família, bolsa atleta, o micro crédito, o projeto Minha Casa minha Vida, este um projeto humilhante indigno de seres humanos, com amontoados de casinhas de 5 x 8 metros, como na cidade de Santarém. O governo usa outro argumento ilusório de que nos últimos cinco anos saíram da miséria e passaram à classe média, famílias que passaram a ter renda de R$1.500,00 equivalente a EU$ 577,00. Nesta matemática, os direitos fundamentais do ser humano são irrelevantes.
 
Os projetos hidroelétricos na Amazônia são também um exemplo de como o conceito de desenvolvimento, não tem a ver com o bem viver dos povos da região. Para os próximos 10 anos estão previstas 38 grandes barragens na Amazônia, com a alegação de que o país precisa de mais energia para manter seu crescimento acelerado. Para tanto, o governo ignora que vivem cerca de 28 milhões de seres humanos só na Amazônia brasileira. E que são mais de 100 povos aqui existentes, cada um com sua cultura, língua própria e até seu território, demarcado,  ou não pelo governo.  São dezenas de terras indígenas não demarcadas, como manda a constituição nacional, porque as empresas e os órgãos federais sabem que naquelas terras existem muitos minérios, madeiras e rios, cobiçados para geração de energia hidroelétrica e outros fins lucrativos.
 
Depois que já foram violados os direitos dos povos tradicionais ao longo do Rio Madeira, em Rondônia, para construir duas grandes hidroelétricas (Jirau e Santo Antonio); depois de ter violado acordos com povos do Rio Xingu, no Pará onde constrói a mega hidroelétrica de Belo Monte, o governo agora violenta as relações com os povos do rio Tapajós. São sete grandes barragens previstas a serem construídas na bacia do rio Tapajós. Pesquisadores e militantes que defendem o bem viver dos povos tapajônicos, afirmam que os desastres serão vários e irreversíveis para o meio ambiente e os habitantes locais. Para se ter uma ideia, a primeira barragem projetada para São Luiz do Tapajós terá 36 metros de altura, barrando toda a largura do rio. Vai causar um lago de 732 km quadrados rio acima e diminuição drástica das aguas do rio abaixo até sua embocadura no rio amazonas, com prejuízos à fauna, flora e comunidades.
 
O povo Munduruku, com 11 mil parentes, (como eles se chamam) estão mais conscientes das consequências negativas das barragens, do que os ribeirinhos não indígenas e por isso, resistem às falácias do governo. Como o governo planejou iniciar a barragem de São Luiz ainda em 2013, o projeto é feito lá na capital federal e chega forçando aceitação dos povos tradicionais que aqui sempre viveram, de bem com a natureza. A violação dos direitos humanos vai se acumulando por parte do Estado brasileiro contra seu próprio povo. A situação de conflito está aqui exposta no caso exemplar do Tapajós, sem respeitar a constituição que exige diálogos de verdade com os povos a serem atingidos pelas barragens.
 
O governo federal mente quando diz que vai construir sete usinas no rio Tapajós, sem prejudicar o ambiente e os povos que aqui habitam. Pagam recursos públicos para pesquisadores e ONG’s chegarem aos ribeirinhos e ao povoMunduruku dizendo que as barragens virão de um jeito ou de outro e quem aceitar e se cadastrar será indenizado de seus prejuízos  porém, quem não aceitar sairá de mãos vazias, ou morrerá afogado nos lagos a serem formados.
Na semana de 18 a 22 de fevereiro, um grupo de líderes Munduruku esteve em Brasília conversando com comandados da presidente da república, Edson Lobão das minas e energia, Ministro Dutra da justiça e o secretário da presidência, Gilberto Carvalho. O Jornal O Globo (22.02) esteve registrando o tal diálogo e publicou o seguinte:
“Os índios vieram trazer uma lista de reivindicações à presidência e se recusavam a entrar no Palácio”. O debate aconteceu na divisa entre a entrada do Planalto e o lado de fora: “vocês têm duas opções, disse o secretário Carvalho: uma delas é inteligente, é dizer ok, nós vamos acompanhar, vamos exigir nossos direitos, vamos exigir preservação e benefícios para nós. A outra é dizer não. Isso vai virar, infelizmente uma coisa muito triste e vai prejudicar muito  a todos, ao governo, mas também a vocês. A hidrelétrica a gente não faz por porque quer, mas porque o país precisa”...
 
Com o ministro Cardoso da Justiça, os Munduruku foram cobrar apuração do assassinato pela Polícia Federal de um parente jovem, em Teles Pires. Eis parte de diálogo: “O ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) veio falar em diálogo. Vocês (governo federal) são os primeiros a quebrar o protocolo e agir com violência. Queria ver se tivesse sido um índio a ter matado um agente da Polícia Federal... queria ver se ele estaria solto”, declarou Tarabi Kayabi, depois de o ministro Cardozo dizer que espera “um diálogo franco e fraterno” com os indígenas e que “tudo está sendo apurado com rigor e imparcialidade”.

O grupo Munduruku esteve conversando no mesmo dia com o Ministro Lobão das Minas e Energia (ihu 22.02). Eis a afirmação dele: Lobão foi firme. Disse aos índios que o governo não vai abrir mãos das duas usinas e que eles precisam entender isso. Valter Cardeal, diretor da Eletrobrás que também participou da discussão, tentou convencer os índios de que o negócio é viável e de que eles serão devidamente compensados pelos impactos. Os índios deixaram a sala.
Nos últimos dias de abril a situação ficou mais tensa lá na região. O governo enviou 250 militares fortemente armados para garantir que seus técnicos executassem os estudos de impacto ambiental, antes de iniciar a construção da barragem, como exige a constituição. Acontece que a pressa em construir a barragem, com datas estabelecidas para iniciar ainda em 2013, atropela os direitos dos povos tradicionais a serem atingidos. OsMunduruku não aceitam tal violação à constituição nacional e até à cláusula 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é afiliado.
 
No último dia 30/03 lideranças Munduruku enviaram ao governo o seguinte recado: “Se o governo quiser diálogo comMunduruku tem que parar a Operação Tapajós e mandar tirar as forças armadas de nossas terras. Nós não somos bandidos, estamos nos sentindo traídos, humilhados e desrespeitados com tudo isso. O governo não precisa da polícia e da força nacional para dialogar com o povo Munduruku. Nós queremos diálogo, mas só falaremos com o governo, depois que todos os caciques do alto, médio e baixo conversarem e tomarem sua decisão. É nosso último aviso. Se a Operação não parar, não vai ter mais diálogo com os Munduruku, vamos acionar os caciques e vai ter guerra.”
 
O encontro entre lideranças Munduruku e representantes do governo, que deveria acontecer finalmente em 25/04 não ocorreu, mesmo estando ambos os grupos na região. Porém, os Munduruku exigiam a reunião lá em sua aldeia, 2 horas de viagem, de voadeira da cidade de Jacareacanga, onde estavam os representantes do governo. Estes exigiam que a reunião fosse lá na cidade. Como nem um nem outro grupo cedeu, a reunião não aconteceu, confirmando o que predisse umas semanas atrás o secretário de governo Gilberto Carvalho.
Lideranças Munduruku enviaram novo recado ao governo:
 
Associação Pusuru, entidade representativa do povo indígena Munduruku, vem a público desmentir as informações falsas veiculadas pela Secretaria Geral da Presidência da República no dia 26 de abril de 2013, na nota “Governo Federal reúne com indígenas Munduruku em Jacareacanga”.
Pusuru (associação indígena Munduruku) esclarece, em primeiro lugar, que não houve reunião alguma.
 
A reunião estava marcada para acontecer no dia 25, na aldeia Sai Cinza, onde mais de 200 caciques aguardavam os representantes do governo para dialogar sobre a construção das hidrelétricas. Mas o governo se recusou a vir a aldeia e trouxe mais de 200 homens fortemente armados, entre policiais federais, militares do exército e Força Nacional, para a cidade de Jacareacanga.
 
O governo foi informado anteriormente de que são os caciques em assembleia que possuem poder de decisão sobre qualquer assunto que se refira aos direitos de nós povo Munduruku. O governo sabia que a reunião iria acontecer na aldeia Sai Cinza, conforme acordado entre nós indígenas e o governo. Isso está documentado.
 
Carta ao governo brasileiro e à sociedade
Nós, lideranças, caciques e guerreiros Munduruku do Alto, Médio e Baixo Tapajós reunidos para reafirmar nossa posição contrária à construção de barragens em nossos rios, e estamos completamente indignados com a falta de respeito do governo brasileiro por não comparecer ao nosso encontro, marcado para hoje, 25 de abril, na aldeia Sai Cinza, município de Jacareacanga, Pará.
 
Os representantes Tiago Garcia e Nilton Tubino, da Secretaria Geral da Presidência da República, afirmaram aos vereadores Munduruku de Jacareacanga que não iriam à aldeia porque temiam violência da nossa parte, que nós estávamos esperando por eles armados e com gaiolas para prendê-los. O governo está tentando se fazer de vítima, e isso não é verdade. Quem chegou armado na cidade de Jacareacanga foi o governo, com a Polícia Federal e a Força Nacional.
 
Segundo Nilton, o ministro Gilberto Carvalho desautorizou a delegação a vir a nossa aldeia, e tentou impor uma reunião na cidade de Jacareacanga, sob presença militar. E isso nós não aceitamos. Essa reunião já tinha sido desmarcada uma vez. Ela deveria ter acontecido no dia 10 de abril, mas por causa da Operação Tapajós, nós ficamos com medo de um ataque igual ao que aconteceu na aldeia Teles Pires em novembro do ano passado, quando assassinaram nosso parente Adenilson. Por isso nós não aceitamos que esse encontro acontecesse naquela data.
 
E agora o governo chega novamente armado com suas tropas para uma reunião com o nosso povo, e inventa todo tipo de mentira, manipulações e distorções sobre nós Munduruku. Nós queremos o diálogo, mas não é possível ter diálogo com armas apontadas nas nossas cabeças. E achamos que talvez o governo não queira dialogar, porque quem quer dialogar não mata indígena, não invade aldeias e nem vem armado com policiais e helicópteros.
 
Exigimos que o governo pare de tentar nos dividir e manipular, pressionando individualmente nossas lideranças, caciques ou vereadores. Lembramos que quem responde oficialmente pelo nosso povo são as coordenações das associações Munduruku, chamadas Pusuru e Pahyhy, as entidades representativas de todas as comunidades Munduruku. Somos um só povo, todas as nossas decisões são sempre coletivas e nós as expressamos sempre através das associações.
 
Por fim, reafirmamos que nós povo Munduruku não queremos guerra, queremos paz. E por isso queremos que todas as tropas militares saiam da região. A partir de agora, exigimos que todos encontros e reuniões com governo sejam sempre acompanhados pela procuradoria do Ministério Público Federal do Pará. Queremos que nossa posição sobre a barragem seja respeitada, e que o governo regulamente a consulta prévia aos povos indígenas como manda aConvenção 169 da OIT, tudo isso antes de qualquer decisão, estudo ou construção de barragem.
Também exigimos que nossos direitos constitucionais sejam garantidos, sem que sejam usados como moeda de troca. E reafirmamos: somos contra as barragens e queremos todos os nossos rios livres. E nós vamos lutar por eles.
 
Aldeia Sai Cinza, 25 de abril de 2013. 
Assinam este documento caciques, lideranças, guerreiros e povo Munduruku
É neste contexto que vivem os povos da Amazônia atualmente, a violência aos direitos humanos é promovida pelo próprio governo federal. Se de um lado, a presidente da república se orgulha e propaga conquistas pequenas, como anunciar ter elevado o nível de vida de milhões de brasileiros que saíram da extrema miséria para a miséria e desta a uma pseudoclasse média de 600 euros de renda para famílias de seis pessoas, por outro lado ignora e marginaliza milhões de brasileiros/as que vivem na Amazônia e ameaçados pelas hidroelétricas ditas geradoras de energia limpa. Limpa na ponta, mas suja e perversa na geração. O falso conceito de desenvolvimento assumido e defendido pelo Governo brasileiro traz junto o desrespeito aos direitos humanos de seu povo, desrespeito a biodiversidade, a natureza. A submissão dos governos aos caprichos do capital internacional não tem condição de levar em conta o ser humano.  
 
Referências:
SILVA, Sousa José – Despues del desarollo, 2012, Quito Equador.
DUTRA, Manuel – “Desenvolvimento sustentável, um conceito sem teoria?” do livro Contra discurso de desenvolvimento sustentável de Marcionília Fernandes e Lemuel Guerra (coordenadores) – Unamaz, 2003;
Carta dos Munduruku ao povo e ao governo brasileiro – Assembleia Munduruku em aldeia Sai Cinza, 25 de abril 2013.