quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Belo Monte é a maior e mais polêmica obra em andamento no país

Belo Monte é a maior e mais polêmica obra em andamento no país
A hidrelétrica será construída entre as cidades de Altamira e Vitória do Xingu, terá duas barragens e dois reservatórios. Populações ribeirinhas, índios e agricultores temem o futuro na região.
O Jornal começa a exibir nesta terça-feira (23) uma série especial de reportagens sobre a usina de Belo Monte: a maior obra em andamento no Brasil neste momento e a mais polêmica também. Os repórteres Cristina Serra e Almir Queiroz mostram por quê.
O Xingu é um espelho, onde o céu e o rio se confundem. Percorre 1,9 mil quilômetros. Sai do Cerrado, em Mato Grosso, e segue rumo à Floresta Amazônica, no Pará.
A hidrelétrica de Belo Monte será construída entre as cidades de Altamira e Vitória do Xingu. A usina terá duas barragens e dois reservatórios. O primeiro não altera o leito do rio, só alarga suas margens, o que corresponde ao que é o Xingu hoje em período de cheia. O segundo reservatório vai alagar o que hoje é terra firme: pasto e floresta. Um canal ligará os dois reservatórios. Com isso, o curso natural do rio será desviado. Na área onde hoje o Xingu faz uma imensa curva, a chamada Volta Grande, terá a vazão reduzida.
É por isso que os índios entoam cantos de guerra. “Sem a água, não tem comunidade viva”, diz um índio.
Essa briga não é de hoje. Os primeiros estudos, há 30 anos, previam a inundação de terras indígenas. Em 1989, José Antônio Muniz, engenheiro da Eletronorte, sentiu na pele a indignação de uma guerreira caiapó, a índia Tuíra. “Em um momento ela vem assim, inesperadamente, com aquela coisa e bate de um lado. Eu senti que era um facão. Bateu de um lado, bateu do outro e bateu do outro”, ele lembra.

Há três anos, outra agressão. Os índios também atacaram com facões o engenheiro Paulo Fernando Rezende.

O projeto mudou e nenhuma aldeia será alagada. A preocupação, agora, é com a falta d’água. “Essa água, para nós, é benta”, diz outro índio.

As populações ribeirinhas e os índios que vivem na região temem que o transporte fique ainda mais difícil e que diminua a fartura de peixes que existe no local.
“Quem sabe vai acontecer a guerra: branco morre, índio morre. Até no final, eu quero ver acontecer esse barramento”, alerta o cacique Ireô, da tribo Caiapó.
Mas, por uma exigência da Funai e do Ibama, a água terá que ser assegurada na Volta Grande. De acordo com o projeto, na época da chuva, quando o rio enche, parte da água será desviada para a usina. Na época da seca, para manter a vazão na Volta Grande, a usina poderá reduzir a produção de energia ou até parar.
“A condicionante é que haja sempre garantida a vazão, que é a chamada vazão ecológica, para que esse modo de vida seja preservado”, explica o presidente da Funai, Márcio Meira.
Para os agricultores, o problema é outro. Seu Manoel mostra com orgulho a floresta que tem na sua propriedade. É uma reserva legal, registrada no Ibama, com todos os impostos pagos. “Tem mais de 5 mil árvores. Eu já contei essa madeira toda aqui”, ele conta.

Tudo vai dar lugar a um dos reservatórios. E Seu Manoel foi informado que só será indenizado pela parte da fazenda onde tem gado e cacau. “Eu acho impossível preservar minha mata, pensando nos meus filhos, nos meu netos e bisnetos, para uma hora dessas, eu chegar e entregar de mão beijada”, defende.
Agricultores vizinhos de Seu Manoel estão na mesma situação. “O próprio governo incentivou a gente a preservar e agora, com o projeto de Belo Monte, diz que a mata, o local preservado, não vai ser indenizado”, argumenta a agricultora Ana Alice Santos.
Mesmo depois do início da obra, o Ibama ainda não tem uma solução para esses casos. “Estão sendo implementados e acompanhados pelo Ibama fóruns de acompanhamento social desse empreendimento. Então, questões específicas como essas serão discutidas nesses fóruns, levadas a nosso conhecimento, ao conhecimento da empresa e aí dirimidos possíveis conflitos”, afirma Gisela Forattini, diretora de licenciamento ambiental do Ibama.
O Ministério Público Federal entrou na Justiça questionando desde os estudos que permitiram a concessão da licença para a instalação da usina até a maneira como as audiências públicas foram conduzidas. Doze ações aguardam julgamento.
“Os estudos não são conclusivos, a modelagem da qualidade da água não está no nível que se necessita para ter certeza da adequação dessa água para a população”, diz o procurador do MPF Cláudio Terre do Amaral.
“Esses estudos ambientais de Belo Monte são de boa qualidade porque foram avaliados por uma equipe de excelência que nós temos”, garante Gisela Forattini.

Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Terá capacidade para produzir 11,2 mil megawatts de energia. Mas, devido ao regime de cheia e seca do rio, a produção média será de 4 mil megawatts, o suficiente para abastecer 18 milhões de residências.
“Disso aí nós não podemos abrir mão. Nós temos que usar, esse é o potencial do Brasil, dos brasileiros, que é para a gente ter essa garantia que nós vamos ter energia barata, renovável, sem depender de nada”, destaca Luís Fernando Rufato, diretor de construção da Norte Energia.
“O custo de Belo Monte é muito maior do que o que está sendo ventilado pelo empreendedor. Você tem diversos impactos sócio-ambientais da obra, que vão muito além da área de abrangência de construção dessa obra e que não estão sendo dimensionados”, argumenta Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental.
Polêmica e dúvidas também entre as comunidades ribeirinhas. Várias serão alagadas, outras ficam onde serão instalados os canteiros de obras. A empresa que constrói Belo Monte terá que indenizar os moradores ou construir novas moradias, mas os locais para onde serão levados não foram escolhidos.
Dona Cláudia, que há 40 anos mora na comunidade Santo Antônio, está angustiada: “Eu me senti triste porque aqui a gente vivia num sossego muito bom”.
Toda essa mudança tem um motivo claro para o governo: garantir energia para o país. “O nosso país é um país que está crescendo e necessita de, aproximadamente, cerca de 7 mil megawatts por ano, nos próximos dez anos, para permitir esse crescimento econômico e o desenvolvimento do nosso país”, defende Altino Ventura, secretário de Planejamento de Minas e Energia.
Hoje, o Xingu é o ganha-pão da pescadora Alcilene. Mas ela já sabe que seu modo de vida simples está no caminho de uma força avassaladora. “Esse é o progresso”, diz.


 24/08/2011 às 07h47min

ATINGIDOS POR BARRAGENS FAZEM PROTESTO EM TUCURUÍ

A quem interessa a divisão do Pará?

Uma chuva atípica em pleno verão amazônico fez a cidade de Marabá receber um frescor especial na manhã posterior à divulgação do plebiscito que pode dividir o estado do Pará.
No dia 11 de dezembro de 2011, os paraenses vão decidir se aceitam a divisão do estado em “Pará remanescente”, o estado de Tapajós e o de Carajás.
Se a chuva refrescou a cidade, que nesse período do ano chega a ter uma temperatura de aproximadamente 40 graus, com a notícia do TSE os marabaenses esquentaram ainda mais em debates fervorosos, que perpassam a universidade, as mesas de boteco e as reuniões dos movimentos sociais da região.

Esperança e desconfiança

Na capital do eventual estado de Carajás, Marabá, que em menos de cem anos mudou seu cenário de uma vasta floresta para construção de seu primeiro shopping, e, atualmente, vê a maioria de suas ruas fétidas com esgotos a céu aberto, a esperança e a desconfiança dividem a opinião das pessoas sobre a criação da nova unidade federativa.
“Meu voto é sim, embora não esteja confiante. Pode ser uma utopia nossa achar que com a divisão do estado, o sul do Pará vai melhorar em educação, saúde e transporte”, disse a estudante Nilce Silva do curso de pedagogia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Sua colega de curso, Cecília Guimarães é mais incisiva. “Meu voto é sim, na esperança de uma melhor distribuição de renda”, afirmou.
Ainda andando pelo Tapiri – uma imensa oca que fica na parte central da UFPA de Marabá – percebe-se realmente que o assunto principal dos estudantes não são os trabalhos acadêmicos. Ali, opiniões contrárias à criação do estado surgem. “Sou contra a divisão, isso só vai centralizar poder a um grupo de políticos da região”, diz a estudante do curso de Educação do Campo Claudenir Assunção.
Extrapolando os muros da universidade, o vendedor ambulante Marcelo Vieira, num andar apressado, suado e oferecendo aos banhistas na praia DVDs e CDs piratas com bandas de melody, um ritmo musical da região, ao ser perguntado sobre a divisão do estado pensa e diz: “moço, eu sou contra, vai ser mais político para roubar”.
Já o açougueiro Odvam Lopes, entre uma martelada e outra para desossar uma peça de carne, diz rapidamente: “Sou a favor da divisão, vai melhorar nossas estradas e vêm mais empregos para nós”. Sobre Tapajós, a esperança também vem à tona e o assunto também dita o ritmo de Belterra, cidade que fica a 45 km da possível futura capital Santarém. “Na realidade o que a gente fica recebendo aqui são migalhas que vêm do Estado, do governo do estado lá em Belém.”, reclama o aposentado Sergival Pantoja.
“Há uma distorção na distribuição de verbas para questões públicas e de infraestrutura. Essa divisão é necessária tanto para Tapajós quanto Carajás”, diz Wilson Teixeira, assistente social e historiador, membro da comissão de articulação e mobilização da campanha pró Carajás e Tapajós.

Para quê? E para quem?

Mas se a esperança e a desconfiança estão presentes nas ruas, para muitos, antes de qualquer debate precisa-se perguntar quem seriam realmente os principais interessados na divisão do estado do Pará. Residente em Marabá, Rogério Paulo Hohn, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) discorda da forma como vem sendo abordado o assunto. “Em vez de dizermos se somos favor ou contra, temos que discutir: Carajás e Tapajós para quê? E para quem? Num debate muito mais político”.
Sentado numa mesa do Tapiri, o professor do departamento de sociologia da UFPA Cloves Barbosa remete à história do estado paraense para elucidar a alguns alunos sobre os interesses inclusos nessa divisão. “Esta região já passou por fragmentações e fusões desde a época do império, tanto português, quanto nacional com os governos de Pedro I, Pedro II e Princesa Isabel. No início, o território que hoje é denominado de estado do Pará já fez parte da província do Grão-Pará. Esta província abrangia os estados do Maranhão, do Pará e do Tapajós. A reorganização territorial da República, e mesmo antes, redimensionou os territórios e chegou-se à atual configuração geopolítica”.
E diz aos alunos que tem verdadeira clareza sobre os que querem fazer a divisão do estado. “É uma fração da classe composta pelas pessoas que exercitam o agronegócio. A razão para isto é que as exportações brasileiras vêm enfrentando uma série de restrições, principalmente da região do euro, que é composta de boa parte de pessoas que são sensíveis às questões ecológicas e fitossanitárias”. Com a criação, especificamente do estado de Carajás, o professor diz que seria uma forma de isentar preocupações com os impactos de suas atividades sobre a fl oresta amazônica. “Estes agentes poderão dizer que no estado de Carajás não existem mais remanescentes de floresta nativa, e que a região é de pastagens e de extrativismo mineral. Trata-se, portanto, de um negócio puramente burguês”, explana.

Vale e Dantas

Falando em mineração, a principal transnacional da região, a Vale, isenta-se de qualquer debate sobre o assunto, e por e-mail apenas respondeu a reportagem: “Não temos comentários sobre este assunto”. Mas Barbosa alerta, “pode ser que seja mais fácil para a empresa realizar negociações com um estado iniciante e necessitando de recursos do que com uma máquina administrativa estabelecida e que apresenta seus interesses específicos já bem definidos”.
Mas nem só a Vale poderá ser beneficiada com o surgimento de duas novas federações. O grupo Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas, seria um dos principais interessados, sobretudo, na criação de Carajás. Segundo relata o diretor regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Jandir Merla, Marabá seria uma capital provisória e a capital definitiva seria construída entre os municípios de Eldorado dos Carajás, Xinguara, Sapucaia e Rio Maria. “É justamente nessa faixa do estado paraense que Dantas mais comprou terras nos últimos tempos, vejo o gado como fachada, pretexto. Para mim, o grupo de Dantas por ser muito forte teve informações privilegiadas e sabia que a nova capital de Carajás poderia ser construída naquela região”, diz.
Tanto que parte dessas terras de Dantas, no momento litigado pelo Incra, para desapropriação para fi m de reforma agrária, é negada veementemente pelo grupo de advogados que defende o banqueiro. “O grupo Santa Bárbara oferece outras terras que estão fora dessa área, mas essas ele não aceita vender para o Incra”, revela Merla.
Vai caindo a noite em Marabá. Antes de o professor Cloves levantar-se para ir embora, dá o último aviso aos alunos: “trata-se de uma grande jogada, e que, se vitoriosa, exigirá que os trabalhadores do campo e da cidade repensem e redimensionem as suas lutas por um mundo igualitário”.
Mais sobre o assunto: Dalmo Dallari defende votação nacional Plebiscito para divisão do Pará deve ter a participação de toda a população do estado, decide STF

25/8/2011 10:12,  Por Brasil de Fato
Após calendário eleitoral ser anunciado pelo TSE, discussão esquenta no estado da região Norte
25/08/2011

Márcio Zonta
de Marabá (PA)

Brasil: Ato Mundial Contra Belo Monte

"Xingu Vivo - Belo Monte Não!" - Foto de Raphael Tsavkko no Flickr, publicada com permissão.

"Xingu Vivo - Belo Monte Não!" - Foto de Raphael Tsavkko no Flickr, 

Nos últimos dias, de 19 a 22 de agosto de 2011, um ato mundial contra a usina Belo Monte aconteceu em várias cidades do Brasil e em algumas cidades mundo afora. Apesar do início das obras da usina, pessoas têm se manifestado na Internet e nas ruas em defesa dos povos da região do Xingu, no estado brasileiro do Pará, e em defesa do meio ambiente. Neste post, agregamos algumas fotos e vídeos dos protestos mundo afora.
São Paulo, a maior cidade do Brasil, foi palco do maior protesto, que aconteceu na avenida Paulista e contou com a presença de integrantes dos grupos indígenas que serão afetados pela barragem da usina hidrelétrica. Raphael Tsavkko, autor do Global Voices, também esteve na marcha de São Paulo. Ele tuitou (@Tsvakko) suas impressões e fotos do protesto durante toda a tarde:


"Dezenas de pessoas se manifestaram contra a usina de Belo Monte em frente à Embaixada brasileira em Londres hoje (22 de agosto)." Imagem © Survival 

"Dezenas de pessoas se manifestaram contra a usina de Belo Monte em frente à Embaixada brasileira em Londres hoje (22 de agosto)." Imagem © Survival


Protesto em frente ao Consulado brasileiro em Sao Francisco, E.U.A. Foto de International Rivers no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) 

Protesto em frente ao Consulado brasileiro em Sao Francisco, E.U.A. Foto de International Rivers no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)


Foto de Sididh / Prodh (Sistema integral de Información en Derechos Humanos del Centro Prodh) no Twitpic (@Sididh). 

Foto de Sididh / Prodh (Sistema integral de Información en Derechos Humanos del Centro Prodh) no Twitpic (@Sididh).

Manifestantes marcham e queimam uma efígie em protesto contra a construção da usina de Belo Monte. Sao Paulo, Brasil. Foto de Cris Faga, copyright Demotix (20-08-2011)
Manifestantes marcham e queimam uma efígie em protesto contra a construção da usina de Belo Monte. Sao Paulo, Brasil. Foto de Cris Faga, copyright Demotix (20-08-2011)

O Movimento Brasil pela Vida nas Florestas publicou em seu blog dois links de álbuns com fotos do protesto: o Flickr de Luanda Francine e o Picasa de Verena Glass.
A Polícia Militar divulgou estimativas de que pelo menos 800 pessoas participaram do protesto de São Paulo. Confira um vídeo do protesto na cidade, publicado no Youtube pelo usuário Dhirak:

O EXEMPLO QUE VEM DO CHILE

O Exemplo que vem do Chile

                                                                                                            
                                                                                                                 Por Ib Sales Tapajós*
 
Durante muitos anos, o Chile foi apresentado pelos arautos do neoliberalismo como um país modelo no que tange às políticas educacionais. Ainda hoje, mesmo com a enorme crise em que se encontra a educação chilena, há “especialistas” na América Latina que reivindicam os sucessos do sistema de ensino municipalizado, privatizado, competitivo e “eficiente” construído a partir da ditadura do general Augusto Pinochet, que governou o país a ferro e fogo de 1973 a 1990.
 
De fato, o Chile foi um verdadeiro laboratório do neoliberalismo, o primeiro país latino-americano a aplicar o receituário neoliberal, reduzindo drasticamente o âmbito de atuação do Estado para dar lugar à iniciativa privada. Na educação, foram realizadas sucessivas contra-reformas que negaram completamente o ideal de um ensino público, gratuito e universal.
A ditadura de Pinochet reduziu a menos da metade o gasto público em educação. A gestão das escolas foi descentralizada, passando para o controle dos municípios. Por outro lado, a meritocracia foi uma diretriz levada ao extremo pelo governo chileno, a ponto de se estabelecer distinção de salário entre os professores, de acordo com a “eficiência” e “produtividade” de cada um. O ensino privado, por sua vez, cresceu vertiginosamente, em decorrência principalmente dos subsídios concedidos pelo Estado às instituições particulares, que geraram lucros exorbitantes aos empresários da educação.
 
Em 1981, foi realizada a (contra) reforma que extinguiu a gratuidade no ensino superior. Hoje não há no Chile nenhuma universidade pública! Existem tão-somente universidades privadas e “mistas” (que recebem subsídios do governo). No lugar da gratuidade, criou-se um sistema de créditos “solidários” para ajudar os estudantes a pagarem os altos preços das mensalidades, que podem chegar a 4 milhões de pesos ao ano – o equivalente a R$ 16 mil. [1] Além de não abarcar a totalidade dos estudantes universitários, mas apenas os estudantes de renda mais baixa, esse sistema de créditos tem gerado um endividamento muito sério na juventude chilena, que, ao sair da Universidade, se depara com contas altíssimas que comprometem durante anos ou mesmo décadas sua renda – situação parecida (porém mais grave) à que ocorre atualmente no Brasil com o FIES. [2]
 
Contra esse sistema educacional excludente, os estudantes chilenos travam uma heróica batalha, que já dura cerca de dois meses. Centenas de milhares de jovens vêm tomando as ruas de várias cidades do Chile em defesa da educação pública e gratuita. O movimento estudantil chileno, ao contrário dos últimos governos do país, enxerga a educação como um direito social, e não como mercadoria; e luta para que a educação, em todos os níveis, sirva para promover o desenvolvimento do Chile, e não para gerar lucro fácil para um pequeno grupo de empresários.
 
Nas manifestações de rua, ouvem-se cantos como “Y va a caer, y va a caer la educación de Pinochet". A determinação dos jovens estudantes de lutar por mudanças no sistema educacional é marcante. “Estamos dispostos a perder todo o ano escolar para não pagarmos mais pela educação” – afirma Miguel Roboyedo, um líder estudantil secundarista. [3] As mobilizações sacodem o país inteiro e foram responsáveis diretas pela queda do ministro da educação Joaquim Lavín, que é um empresário da educação, dono de uma universidade privada e de um centro de pesquisas educacionais.
 
As massivas marchas da juventude chilena golpearam profundamente a imagem do presidente direitista Sebastián Piñera, cujo governo atinge índices de rejeição de 60%. Acuado, o governo aumenta a repressão contra o movimento estudantil. Na quinta-feira passada (04/08), a polícia reprimiu duramente os estudantes que tentaram marchar pela avenida central Alameda, resultando em mais de 800 detidos.
 
A vereadora do PSOL de Porto Alegre Fernanda Melchionna, que acompanha o processo de mobilização estudantil no Chile, relata que a polícia chilena, a mando do governo, tem utilizado práticas das ditaduras, dos estados de exceção, para tentar dispersar as manifestações [4]. Bombas de gás lacrimogêneo, água suja e tóxica, prisões etc., tudo para tentar conter a aguerrida estudantada do Chile. Há inclusive o caso de desaparecimento de um estudante universitário que foi preso no dia 4 de agosto e cujo paradeiro é desconhecido até hoje.
 
No entanto, a força de vontade da juventude chilena é imbatível. Novas marchas e uma paralisação nacional foram convocadas nesta semana. 35 estudantes estão em greve de fome para chamar atenção da sociedade à repressão policial e também para ganhar mais adeptos ao movimento.
 
A força das mobilizações atuais se deve em grande parte à histórica tradição de luta dos estudantes chilenos, que em 2006 protagonizaram a famosa “revolução dos pingüins”. [5] Nesse ano, cerca de 800 mil jovens envolveram-se em paralisações e protestos, exigindo passe livre nos ônibus e melhoria da qualidade do ensino e da infra-estrutura das escolas. O movimento estudantil que hoje sacode as ruas do Chile é herdeiro da “revolução dos pingüins” e tem condições inclusive de superar em termos políticos o levante de 2006.
 
Por outro lado, o processo de mobilização dos nossos irmãos chilenos ocorre num momento muito especial da política internacional. Nos últimos meses a juventude vem se levantando em muitos países em defesa de uma nova sociedade, mais justa, democrática e inclusiva. No mundo árabe e na Europa, os jovens estão indignados com a tirania de governantes que governam para atender aos interesses do mercado, em detrimento da maioria da população.
 
As revoluções árabes, que derrubaram ditadores no Egito e na Tunísia e ameaçam os regimes tiranos da Síria, Líbia e Iêmen, mostraram aos jovens do mundo inteiro que, mobilizados, podemos mudar o curso da história. A juventude da Europa, com destaque para a espanhola, segue esse exemplo e ocupa as praças de várias cidades contra os efeitos da crise econômica mundial e em defesa de Democracia Real Já. O clima de agitação política presente em vários cantos do mundo certamente foi um fator importante de inspiração para os estudantes chilenos.
 
De qualquer forma, a luta dos 'pinguins' pode representar um divisor de águas na América Latina, dando início a um processo mais amplo de mobilização da juventude do nosso continente. Os problemas vivenciados pelos estudantes do Chile são também sentidos na pele, com maior ou menor intensidade, por estudantes de vários países latino-americanos, onde as políticas neoliberais desmontaram impiedosamente vários serviços públicos, em particular a educação. O combate a tais problemas, tal como no Chile, passa necessariamente pela ocupação das ruas.
 
Independentemente dos resultados concretos que serão obtidos pelos estudantes chilenos, não resta dúvida de que eles já são vitoriosos. Colocaram em xeque o modelo arcaico e privatista de educação vigente no país, que até então era tido por muitos como um “sucesso”. Além disso, pautas muito progressivas ganharam destaque este ano, graças à iniciativa dos valentes pingüins. Dentre elas, a renacionalização do cobre, uma reforma tributária para redistribuir a renda do país e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para substituir a Constituição herdada de Pinochet por uma nova Carta Magna efetivamente democrática.
 
Por conta de suas bandeiras de luta, que ultrapassam e muito as reivindicações meramente corporativas, a luta dos estudantes conta com 86% de aprovação da população do país. As articulações com outros setores da sociedade chilena são também uma característica importante desse movimento. Além dos professores, que participam ativamente das manifestações, os mineiros do cobre mantêm laços sólidos com o movimento estudantil e estão com uma greve nacional marcada para os dias 24 e 25 de agosto.
 
Por tudo isso, precisamos olhar atentamente para o Chile e extrair daí todas as lições possíveis. O movimento estudantil brasileiro tem importantes lutas a travar neste segundo semestre de 2011, com destaque para a campanha por 10% do PIB para a educação. A mobilização permanente dos estudantes e da sociedade é um método obrigatório para conseguirmos êxito em nossos objetivos.
 
Sigamos o exemplo que vem do Chile – não em relação ao modelo neoliberal de educação implantado pelos governantes desse país, mas sim quanto à coragem e determinação dos estudantes que enfrentam a polícia em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade e por uma sociedade justa e democrática. Juntos somos fortes e podemos mudar o Brasil e o mundo. Se o presente é de luta, o futuro nos pertence!
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* Ib Sales Tapajós é coordenador geral da UES e militante do movimento Juntos! Juventude em luta.